Um Conselho a Hor Özer

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Dodrupchen Jigme Tenpe Nyima

O Terceiro Dodrupchen

Um Conselho a Hor Özer

por Jigme Tenpe Nyima

A tua natureza não pode ser apresentada através de conceitos;
Ela constitui a realidade genuína de todas as coisas, animadas ou inanimadas,
O significado essencial e único do oceano de classes de tantra -
Em reconhecimento disto, a essência do glorioso guru, eu me inclino.

Estas questões que levantaste, tu que tens devoção pelo Dharma
Da Essência Vajra, o Veículo Supremo,
São difíceis de responder para alguém com a minha capacidade mental;
No entanto, discursarei um pouco, tendo por base as palavras do meu guru.

De um modo geral, as características profundas das instruções Dzogchen não têm limite, mas o ponto fundamental é ensinado no Tesouro das Qualidades Preciosas:

A consciência pura que está além da mente vulgar
É a característica especial da Grande Perfeição natural.

Como aqui se afirma, o ponto chave é a distinção entre mente vulgar e consciência pura. Como o que escreveste honra este ponto-chave, está por isso em consonância perfeita com as palavras dos santos do passado, e nisso me alegro.

Consciência genuína e mente de vajra luz-clara são sinónimos. Isto é enfatizado em todos os tantras da classe do Mantra Insuperável, e não há nada que não seja ali explicado. Há muitos sistemas de meditação segundo os quais reconhecemos a luz clara apenas no momento em que a conceptualização cessa, seguindo as instruções para trazer a mente-prāṇa para o canal central. Contudo, nesta tradição o reconhecimento ocorre mesmo na presença de conceptualização, baseado no princípio de que há luz-clara mesmo nestes casos, tal como há óleo presente no interior de uma semente de sésamo. Há também uma diferença considerável nos meios utilizados para sustentar esse reconhecimento. Neste sentido, há também uma grande diferença no grau e na duração do esforço necessário para alcançar a sabedoria suprema.

Há muitas formas de apresentar a consciência vulgar do momento presente ou a consciência pura e natural do presente, como é o caso das sete formas apresentadas no comentário ao Tesouro do Dharmadhātu. Para já, porém, descreverei apenas o método de apresentação baseado na visão da vacuidade.

Noutras abordagens, tendo determinado que a mente está além de surgimento, cessação e permanência, focamo-nos nessa vacuidade, sem permitir que a mente se distraia do que foi constatado. Praticar de tal forma é meditação. No entanto, aqui não praticamos assim. Em vez disso, investigamos a mente ao chegar, ficar e partir, de forma a que o foco em objeto e sujeito seja destruído. Não encontramos o que quer que seja a que nos possamos agarrar com o pensamento "É isto mesmo!" E, nessa experiência, surge um estado de consciência não-fabricado e naturalmente presente, claro e vazio, livre da proliferação e absorção do pensamento. Isto é conhecido como "consciência pura da quarta parte sem as três." Repousar nesta precisa experiência de forma descontraída, livre de artifícios, é certamente o que se entende por: “Repousa numa consciência sem suporte, Ó yogi!”

Além disso, a busca pelos defeitos escondidos da mente no estágio dos preliminares, e a introdução à consciência na base dessa mesma busca não devem estar em conflito. Isto está bem patente nas obras do omnisciente Senhor do Dharma (Longchenpa), Terdak Lingpa e outros.

Tenho de corrigir a tua afirmação: "Todos os aspectos da mente são definidos como sendo consciência." Todos os aspectos da mente surgem como a auto-expressão da consciência, mas não são a própria consciência. Caso contrário, aquilo a que chamamos de distinção entre mente vulgar e consciência pura tornar-se-ia uma distinção entre consciência pura e consciência pura!

Perguntaste: "Depois de determinarmos que todos os objetos e estados da mente são a expressão da consciência, se as aflições e pensamentos mentais não diminuírem, podem eles ainda prender-nos?"

A tais perguntas podemos responder que, regra geral, a luz-clara tem muitos graus de intensidade. Assim, no primeiro estágio, mesmo que não te distraias da consciência pura, vários pensamentos virtuosos e não-virtuosos surgirão ainda como ondas, em grande número. Ainda que surjam de tal modo, deves permanecer inseparável do ponto de repouso natural da sabedoria da consciência pura. Deste modo, a força disto garantirá que, embora certas conceptualizações possam surgir subitamente num primeiro instante, elas cessam num segundo momento. Em vez disso, dissolver-se-ão diretamente na esfera genuína da luz-clara e não obstruirão o contínuo mental.

A razão pela qual elas não obstruem a mente não se deve simplesmente aos pensamentos não continuarem num segundo instante. Pelo contrário, baseia-se no ponto-chave da aplicação do selo da realização da luz-clara assim que surge um pensamento num primeiro instante.

Afinal, é ensinado que, mesmo os praticantes da tradição do mantra que permanecem no mero estágio de geração, aplicam o selo do yoga da deidade a todas as percepções e atividades, transformando o que seriam ações neutras, como o mover, o andar, o sentar, etc. Assim, criam grandes oportunidades para a dupla acumulação com mantras, mudrās e outros meios. Que necessidade há de mencionar, então, que um princípio semelhante aplica-se aqui?

No entanto, sem nos estabelecermos diretamente na consciência pura, entreter meramente a ideia de que tudo o que surge é a auto-expressão da consciência pura não produzirá sequer uma imitação do que é a genuína confiança na auto-libertação. Acabarás somente sob o efeito da ilusão como resultado de karma e aflições mentais, como uma pessoa vulgar do mundo.

Perguntaste: Deverão as percepções dualistas desaparecer em tal equilíbrio meditativo? E: Não há reconhecimento da consciência pura da Grande Perfeição até que a percepção dualista se dissipe?

Quando chegas à realização mais elevada das quatro visões, a pacificação de todas as elaborações da percepção dualista - durante o estado meditativo - efetivamente ocorre. No entanto, isto não acontece em todas as formas de meditação na consciência pura da Grande Perfeição. Isto pode ser compreendido através das minhas explicações anteriores relativas ao facto de a luz-clara possuir muitos graus de intensidade.

Disseste: Ouvi através de uma tradição oral que ao meditar enquanto se sustém a continuidade da atenção plena, nalgum momento uma forma de atenção plena surge como uma característica da própria consciência pura. No entanto, não investiguei o assunto a fundo. Então, como é isto?

A concentração comum de repousar a mente tem um aspecto de quietude, mas envolve um suporte temporário e é, portanto, fraca. Por outro lado, a concentração da consciência pura naturalmente sustida é uma propriedade inata da natureza genuína, e portanto não é separada da 'fluidez' do dharmatā, como é ensinado no Tesouro do Veículo Supremo e na Carruagem para a Omnisciência. Isto significa que não há um relembrar deliberado de um objeto de foco - aquilo a que chamamos de 'atenção condicionada' - dentro da própria consciência pura. Em vez disso, existe uma atenção sem esforço, naturalmente presente, ou uma atenção intrínseca e espontânea. Ou seja, a luz-clara é mantida e existe o que chamamos de 'genuína atenção plena que impede desvios em direcção às expressões da consciência'. Esta forma de atenção plena ocorre uma vez que a consciência pura tenha sido tornada manifesta através da força da meditação; ela ocorre espontaneamente como o brilho que emana do ouro. Enquanto for ainda necessário baseares-te numa atenção deliberadamente cultivada, então ainda não transcendeste a dimensão da mente vulgar. Ainda assim, isto não invalida uma prática que vise sustentar a essência da consciência através de alguma forma condicionada de atenção, como forma de desenvolver esta genuína atenção plena. Este ponto é explicado no Tesouro das Instruções Essenciais, que afirma que “os principiantes atingem a não-distracção por meio de uma aplicação intencional.”

Perguntaste: Quando alguém que pratica este caminho morre, como se processam os estágios de dissolução? É necessário orientarmo-nos e impulsionarmo-nos de antemão?

Os vários estágios, desde a dissolução do elemento terra no elemento terra, até à dissolução da consciência no espaço, espaço na luz-clara, luz-clara na união, união na sabedoria e sabedoria na presença espontânea; também como, finalmente, a presença espontânea é absorvida na esfera interna, estes vários estágios são descritos claramente e em detalhe no Tesouro do Veículo Supremo e em resumo no Yeshe Lama, portanto, consulta esses textos. Várias declarações foram feitas sobre se é necessário ou não que as três experiências de aparência, aumento e realização surjam da forma como os outros tantras as descrevem. De facto, a consciência pura deste sistema é idêntica à sabedoria da luz-clara. Portanto, a luz-clara que se manifesta depois da aparência, aumento e realização é efectivamente a consciência pura da Grande Perfeição. Ainda assim, é incerto que a consciência pura da Grande Perfeição se manifestará precisamente da forma como são explicados os três estágios da aparência, aumento e realização. Isto ocorre porque aparentemente há alguma variação na forma como a luz-clara surge com base nas características distintas de cada indivíduo. E, consequentemente, vários estágios de dissolução são ensinados noutros tantras secretos (ou obscuros), no Kālacakra, e aqui.

Para os seguidores desta tradição do Dharma, os estágios de dissolução no momento da morte são os descritos acima. Nesse momento, a orientação prévia é importante. 'Transmissão exaustiva como se a ser dada a um viajante prestes a atravessar um trilho de montanha' significa que se recebem instruções de um mestre ou de um irmão vajra sobre os bardos, e estas instruções são deixadas claras. Da mesma forma, significa também morrer tendo a convicção de que deves reter estas instruções sem as esquecer durante o estado intermédio.

Pediste-me para explicar, de maneira simples, como agir antes da estabilidade meditativa, durante a prática principal e depois disso.

Independentemente do tipo de atividade virtuosa em que estejas envolvido, é importante executá-la tendo primeiramente eliminando as distrações mundanas. Isto é especialmente aplicável quando se pratica a Grande Perfeição. Aqui, deves abandonar atividades tanto dhármicas como não-dhármicas, deixando completamente de lado todas as formas de inquietação, e esforçando-te nos métodos para diminuir e pacificar as energias-vento kármicas.

Durante o equilíbrio meditativo efetivo, deves primeiro expor a consciência pura. Depois, repousa naturalmente, sem nada tentares ajustar, transformar, rejeitar ou adotar. Caso pensamentos surjam, não os alimentes, mas mantém-te firme na consciência - este é um ponto crucial. Independentemente das experiências positivas ou negativas que possam surgir, incluindo beatitude, claridade e ausência de pensamento, assim que as seguires com um julgamento, já te afastaste do ponto de repouso natural da consciência pura e estás já perdido nas suas expressões. Como afirmado anteriormente, portanto, tens de compreender como é fundamental que simplesmente permitas que a consciência repouse sem suporte.

Há uma diferença na consciência pura durante o equilíbrio meditativo e a pós-meditação, assim como um espelho pode estar manchado ou limpo. Mas não há diferença na forma como a consciência pura é mantida. Patrul Rinpoche disse: "Não há separação entre equilíbrio meditativo e pós-meditação."

Quando a tendência iludida de nos agarrarmos à realidade das aparências objectivas surge continuamente, a consciência cede ao poder das aparências. Então os inimigos, que incluem karma e aflições como apego e aversão, saem vitoriosos. Se não perderes a experiência contínua da consciência pura, toda a esfera da tua experiência surgirá como a sua auto-radiância, e atingirás gradualmente o "calor" da disciplina do yoga.

Tenpé Nyima escreveu isto imediatamente para Hor Özer, que possui as qualidades de fé, devoção e diligência. Que seja virtuoso!

| Traduzido do inglês (Adam Pearcey, 2017) por André A. Pais, 2021.

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