As Palavras de Chandra

Filosofia Budista › Caminho do Meio | Tibetan MastersJamyang Khyentse Chökyi Lodrö

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Jamyang Khyentse Chökyi Lodrö

Candrakīrti

As Palavras de Chandra[1]

O Segredo Definitivo da Grande Via do Meio Consequencialista Além de Extremos, o Intuito Fundamental de Todos os Tathāgatas

por Jamyang Khyentse Chökyi Lodrö

Homenagem ao guru e protetor, Mañjughoṣa!

Profundo e além de extremos limitadores,
O segredo da mente de sabedoria de todos os budas,
Definitivo, ocultado nas profundezas da Perfeição da Sabedoria—
O significado da Via do Meio descreverei aqui.

Não complicada por elaboradas construções mentais,
Tais como o 'eu', agregados ou ideação,
E livre de conceitos ou distinções—
O caminho da Via do Meio está além de extremos.

Nós próprios e os outros, julgando sermos aparências reais,
Somos a grande Via do Meio da óctupla profundidade:
Não-nascidos e livres de cessação,
Não subsistindo, não observados, não chegando nem partindo,
E transcendendo permanência e niilismo.
Gente imatura incapaz de compreender isto
Agarra-se e fixa-se à sensação inata
De um 'eu' ou identidade e por isso vagueia no saṃsāra,
Já que isto faz com que as suas aflições aumentem.

[Aqueles de doutrinas] heterodoxas com as suas opiniões falaciosas
Fabricam um 'eu' singular e permanente.

Alguns proponentes do realismo
Afirmam um 'eu' que é idêntico em substância aos agregados.
Isto é uma fabricação infundada,
Logo não é causa do vaguear na existência,
Mas é uma noção errada a ser resolvida pela lógica.
Mesmo que átomos e consciência sejam vistos como reais,
Na verdade são desprovidos de qualquer identidade singular
Ou plural, e por isso não possuem uma verdadeira natureza,
Tal como um reflexo.

Ainda que seja ensinado que os fenómenos são apenas mente,
A mente em si não tem verdadeira realidade,
E, sendo constituída por partes momentâneas,
É desprovida de qualquer natureza observável.

Assim, mente e o que a ela aparece
Não são estabelecidos na realidade.
Pode ser afirmado que
As coleções dependentes de consciência
São condicionadas, mas que a sua natureza
É auto-iluminativa e verdadeiramente estabelecida.
Mas como é esta existência conhecida?
É experienciada num estado de apercepção, dizeis vós.
Então tem de haver tanto experiência como experienciador;
De outro modo, como poderia a experiência manifestar-se?
O que fica estabelecido, então, é a dependência.
A 'realidade verdadeira' é uma fabricação mental.

Alguns proponentes da Via do Meio
Falam de existência ao nível do relativo
E de não-existência ao nível do último.
Mas isto colocaria em conflito as duas verdades,
Logo não é assim que as coisas verdadeiramente são.

Ainda que possamos convencionalmente referirmo-nos
A coisas causalmente surgidas como sendo "nascidas-de-outro,"
Produção baseada num 'outro' é desconhecida no mundo
E é refutada pela razão.

Alguns afirmam que falar do perfeito dharmatā
Como verdadeiramente existente é suportado
Pela natureza das coisas como efetivamente são.
Mas na medida em que se afirma que
o equilíbrio meditativo do estado natural
está além de pensamento e expressão,
Porque afirmaríeis vós que a cognição subsequente é real?
Fosse ela real, teria de ser uma entidade real,
E o dharmadhātu algo com atributos.
Porquê agarrarmo-nos à existência intrínseca
Quando isso necessariamente envolve tal apreensão de sinais?

Há alguns que aplicam raciocínios
E se apegam ao nada absoluto.
Mas se afirmardes que a não-existência é o último,
Seguir-se-ia que os chifres de um coelho sê-lo-iam também.

Alguns dizem que o convencional é estabelecido através de cognição válida.
Ao qual perguntamos: o que é que a cognição válida estabelece?
Se disserdes que ela estabelece meramente aquilo que aparece,
Então isso poderia ser afirmado mesmo sem análise.
Se insistirdes que é afirmado tendo por base a análise,
Então se o especificamente caracterizado tem de ser estabelecido através de cognição válida,
Isto é uma contradição nos termos,
E como é uma concepção impura, relativa e confusa,
Não poderia de todo ser estabelecida através de cognição válida.

Uma vez que se tenha renunciado a estas formas
Contraditórias e confusas de análise mental,
As noções perniciosas - nas quais se apega
A fenómenos e indivíduos como possuindo identidades reais—
São conhecidas como 'concepção inata de identidade'.
Os seus objectos apreendidos—os fenómenos—e mente apreendedora são não-nascidos,
Primordialmente pacificados, equânimes,
Como o céu, profundos e livre de elaborações.
Isto é a realidade de todas as coisas,
A abordagem da Via do Meio além de extremos.
É esta grande igualdade autêntica e imutável—
Na qual relativo e último, desde o início,
Nunca foram separáveis—
Que é chamada a Via do Meio.

Saṃsāra e nirvāṇa são por natureza ilusórios,
Vacuidade e originação dependente inseparáveis—
Indescritíveis, inconcebíveis,
Inexpressáveis,
Além dos extremos de existência, não-existência, ambos e nenhum.
Todas as designações, bem como aquilo que as designa,
São desprovidas, em igual medida, de uma só poeira de realidade intrínseca.
Nem a própria Via do Meio é algo observável.
Transcende totalmente o pensamento, mente,
E consciência, e é livre de atributos.
Ver perfeitamente tal perfeição
É denominado 'ver o estado natural'.
Mas isto é apenas uma expressão;
Na verdade, nada há para ver—
Esta não-visão é ela própria a grande visão.

A realização que todas as coisas
São a paz completa, não-nascidas,
E que a mente é também não-surgida,
É denominada ver o dharmadhātu.

Todos os fenómenos de solo, caminho e fruto
São estabelecidos como sendo por natureza não-nascidos.
Repousando nessa compreensão, tal como é,
Alcança-se o nível dos quatro kāyas.

Pela força da virtude adquirida por proferir estas palavras,
Possamos nós escapar às limitações do eternalismo e niilismo
E realizar o significado da profunda Via do Meio
Que é o grande segredo de todos os budas!

Jamyang Chökyi Lodrö, cujo caminho é a sua aspiração em direção à grande Via do Meio, expressou-se de acordo com o intuito de Nāgārjuna e seus herdeiros, que alcançaram o patamar dos Āryas, no primeiro dia do mês kārttika durante o ano da Ovelha de Água (1943). Possam virtude e excelência abundar! Sarvadā maṅgalam.


| Traduzido do Tibetano por Adam Pearcey, 2021, com o generoso apoio da Khyentse Foundation e do Terton Sogyal Trust. Traduzido para Português por André A. Pais, 2023.


Bibliografia

Edição Tibetana

'Jam dbyangs chos kyi blo gros. "mtha' bral dbu ma chen po thal 'gyur ba'i nges gsang zla ba'i zhal lung/" in 'Jam dbyangs chos kyi blo gros kyi gsung 'bum. 12 vols. Bir: Khyentse Labrang, 2012. W1KG12986 Vol. 8: 593–597


Versão 1.1-20230303


  1. Chandra (Skt. candra; Tib. zla ba) aqui é uma referência ao mestre Mādhyamika Chandrakirti (Skt. Candrakīrti; Tib. zla ba grags pa), cujo nome literalmente significa 'famoso como a lua'.  ↩

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